Wednesday, March 7, 2007

Um silêncio arqueológico

Serve o presente estado da arqueologia eborense um sintoma de uma certa estagnação face a novas descobertas, sua divulgação e enquadramento num âmbito histórico-arqueológico-turístico.
Louvamos, necessariamente, iniciativas tecnológicas como os blogs, onde são criados espaços de discussão virtual e, simultaneamente, "propagandísticos" de trabalhos de coerência indiscutível, mas que, por força de inevitáveis circunstâncias, permanecem obscuros para o grande público.
Neste panorama, este post não serve para trazer novas informações à luz da discussão virtual, mas sim para alertar que, e mesmo subentendo a enorme extensão do trabalho de prospecção já realizado no concelho eborense, mantêm-se um quadro de interrogações que interessam directamente à situação actual do território.
À riqueza megalítica e pré-romana do território contrapõe-se um vazio de vestígios datados da Primeira Idade Média (séc. IV/V d.C.-séc. XI), situação que nos surge como enigmática, quando confrontada com a persistência toponímica de vários locais (Alcalainha, Alcanede, Vale de Moura, Algraveos, Almoinha são alguns exemplos que podemos apontar), bem como a continuidade de modelos arquitectónicos islâmicos, patentes nas famosas kubbas alentejanas.
Interessa, portanto, ter em consideração que "escutar" este «silêncio arqueológico» poderá ser decisivo para a compreensão de uma parcela da história directamente relacionada com o percurso do Alentejo a partir do século VIII e, com particular impacto, a partir do século X.
Um primeiro ponto será, porventura, conceder um espaço físico ao território muçulmano de Yabura, decalcado do territorium de Liberalitas Iulia. Os passos seguintes estão em relação com o tempo, a vontade...e a paciência.

Fig. 1: Tentativa de Reconstituição do Territorium de Liberalitas Iulia

6 comments:

Manuel Calado said...

Gostaria de comentar apenas a magna questão da escassez de vestígios alto-medievais, fora de contextos urbanos.
Na verdade, este problema é generalizável às outras área sonde tenho trabalhado, no Alentejo Central.
Como explicar esta aparente invisibilidade?
Penso que, para já, podemos encarar várias hipóteses:

1. Nessas épocas, a ocupação do território estaria circunscrita aos centros urbanos, eventualmente devido a questões de segurança. Um modelo semelhante aplica-se, por exemplo, à Segunda Idade do Ferro, em que tudo indica que as populações se refugiaram exclusivamente (ou quase) atrás das muralhas dos castros.

2. A Alta Idade Média estaria "camuflada" nos sítios que, por falta de fósseis directores adequados, classificamos habitualmente como romanos. Na verdade, todos os pequenos sítios rurais com tegula e cerâmica comum incaracterística, são habitualmente classificados como Romanos ou Romanos/Medievais.

3. Na verdade, é muito plausível que a maior parte das villae romanas tenham sido ocupadas em época visigótica e, eventualmente, islâmica, como, aliás, se confirmou em muitos dos casos escavados.

Finalmente, a toponímia não me parece um bom argumento para garantir a presença de ocupação árabe, num dado local, uma vez que a língua portuguesa recolheu muitos termos árabes e, por outro lado, mesmo após a reconquista, permaneceu em Portugal (até finais do século XV, creio) um significativo contingente de população islàmica.

Gustavo Val-Flores said...

Manel, antes de mais bom dia. Desde ontem que não nos "víamos". :)
E em relação ao que apontas, concordo, obviamente, com o carácter essencialmente urbano das civilizações que sucederam aos romanos, em particular os muçulmanos. Entre o séc. V e inicios do VIII, existe a sugestão de grande parte das villae terem sido ocupadas, podendo algumas ter mesmo funcionado como pólos monacais (S. Cucufate é o paradigma...mas julgo que a Tourega também deteve um percurso semelhante, somente para citar um exemplo eborense).
A minha questão relativa à ocupação islâmica, e a ausência de vestígios arqueológicos num contexto rural prende-se não tanto com a toponímia dos locais, mas com a sua evolução em termos de eixos viários. Estão relativamente estudados os denominados «caminhos de almocreves», de génese islâmica, mas popularizados durante a denominada Baixa Idade Média. Na região eborense, verificamos que existe um compromisso entre esses itinerários e as antigas vias romanas e, se atentarmos aos trabalhos do Maldonado e do Torres Balbás, podemos pressupôr não uma lógica habitacional em torno desses percursos, mas sim um sistema defensivo, como existia em Málaga e Almeria.
O apontamento toponímico prende-se com esta questão militar e não tanto numa lógica de exploração do espaço rural. Ou seja, um sistema de atalaias deveria também pontuar a região de Évora, constituindo-se como pequenas fortalezas de vigia no corrimento dos percursos viários.
Recordo-me de Alcalainha, local que sei já teres prospectado e onde nada muçulmano surgiu. O termo em si poderá indicar um desses locais de vigia, o que não invalida uma origem baixo medieval, mas creio ser importante destrinçar esses dois momentos e conceder uma particular singularidade à ocupação muçulmana.
A toponímia será um bom ponto de partida para a avaliação de alguns locais, mas não constitui, nem poderá constituir um argumento definitivo para se considerar uma ocupação islâmica. Dado o vazio documental e arqueológico que persiste nesta área, mantém-se como o único indicio de uma problemática bastante nebulosa.
A presença muçulmana em Évora está documentada até ao ano de 1503, se não me falha a memória, o que dificulta, obviamente, uma avaliação deste tema. Resta aguardar. Talvez o trabalho futuro possa lançar algumas luzes sobre este assunto.
Abraço

Manuel Calado said...

Gustavo:

creio que estamos de acordo: tal como as Mouras encantadas, os muçulmanos estão virtualmente ausentes nos campos de Évora, se exceptuarmos as continuidades nos sítios romanos.
Quanto às atalaias, o fenómeno é ainda menos claro: são vestígios de fácil detecção e tenho registado umas quantas, sobretudo junto ao Guadiana (em Reguengos e Alandroal); no contexto do Alqueva, algumas foram mesmo escavadas. Uma função semelhante há-de, aliás, ter sido desempenhada pelo Castelo do Giraldo. Vamos lá ver se achamos mais alguma...

Porque
eles (os Mouros) andam aí...

Manuel Calado said...

Gustavo:

creio que estamos de acordo: tal como as Mouras encantadas, os muçulmanos estão virtualmente ausentes nos campos de Évora, se exceptuarmos as continuidades nos sítios romanos.
Quanto às atalaias, o fenómeno é ainda menos claro: são vestígios de fácil detecção e tenho registado umas quantas, sobretudo junto ao Guadiana (em Reguengos e Alandroal); no contexto do Alqueva, algumas foram mesmo escavadas. Uma função semelhante há-de, aliás, ter sido desempenhada pelo Castelo do Giraldo. Vamos lá ver se achamos mais alguma...

Porque
eles (os Mouros) andam aí...

Gustavo Val-Flores said...

Manel, mil perdões por somente agora estar a responder ao teu comentário.
Espero que a política do "mais vale tarde que nunca se aplique" neste caso.

As torres atalaias, como fenómeno de estruturação do terrítório, ainda são perceptiveis em algumas situações junto de éVora, nomeadamente toponímicas.
Aponto, somente a título de referência dois sítios que levantam algumas questões:
a zona denominada "dos Castelos", junto do actual Quartel dos Dragões e a antiga Rua "do Cata que farás". Em Lisboa existia um a rua com este nome que deriva de uma deturpação toponímica explicada por Afonso de Carvalho, e que resvala numa associação com a presença de atalaias.
O primeiro sítio referido aponto-o por mera associação geográfica e visual: zona elevada, junto a um conhecido e denso arrabalde moçarabe existente entre o século X e XII.

Eles andam aí, de facto...só temos é dificuldade em encontrá-los.

Abraço

Unknown said...

Antes de nada, e xa que é a primeira vez que vou dirixirme a esas páxinas magníficas e iluminativas que tendes nos vosos bloques e traballos, que coñecín por intermedio do noso común amigo Pepe Galovart, felicitarvos polo traballo serio e científico que levadas a cabo e, penso, é un modelo de colaboración científica hoxe necesario para a tarefa cada vez máis afinada de investigar o noso pasado máis remoto.

Non son arqueólogo, senón lingüista, de Clásicas, polo que vivo en contacto cos estudos endoeuropeísticos desde toda a vida. Nunca me cadrou, como demostraban as excavacións cada vez mási científicas dos arqueólogos, as tan traídas e levadas "invasións" da Idade de Ferro e o celtismo centroeuropeo que nons querían vender como bon. Cando encetei o estudo da Teoría da Continuidade Paleolítica, abríronseme os ollos e o cambio de punto de vista aclaraoume as moitas dúbidas prantexadas desde a teoría indouropeística clásica. O libro de Renfrew identificando indoeuropeos e revolución neolítica, aínda que puña en evidencia o absurdo das teorías aceptadas sobre o indoeuropeo, tiña, en especial no relatico aos pobos célticos do occidente atlántico moitos problemas, especialmente desde o p. de vista arqueolóxico. A única teoría que da un horizonte coherente cos feitos lingüísticos e arqueolóxicos que coñecemos é a TCP.

Con esta perspectiva os estudos do voso grupo (en especial os de Calado e Alvim) que demostran unha evodente continuidade desde o Mesolítico até o megalitismo (grosso modo) son un dos pontos de apoio fundamentais na argumentación da Continuidade no occidente atlántico (como tamén veñen demostrar os estudos recentes de xenética das poboación en Europa. As argumentacións fundamentais podédelas achar en www.continuitas.com (especialmente Alinei, Benozzo, Ballester no que respecta e Península Ibérica e máis en especial á nosa prehistoria atlantica.

De aí que Benozzo con suma perpicacia se decatara que a palabra mouro, e máis notadamente moura(s) na Galiza, sen influxo directo do árabe (como moito e tardíamente de refuxiados mozárabes, aínda na época do Reino de León (vgr. Almuiña, Mezquita? e pouco máis na toponimia, e no léxico común o que hai de árabe é común a español e portugués e de aí virán para o galego), e que sempre están aquí referidos a monumentos megalíticos tumulares ou cultuales e a petroglifos (menos a castros), poidese ser un falso latinismo (algún pode vir de maurum, -am, pero os menos se algún ven) e sería máis lóxica nesa perspectiva da celticidade cando menos mesolítica desta terras occidentais atlánticas a explicación desde o céltico MVORS, "ser sobrenatural, ser doutro mundo" que estaría no imaxinario popular reflectindo unha realidade moi antiga, un resto arcaizante que, polo demais, é o normal en Galiza no eido das tradicións, da lingua, etc.

Se para algo vos serve esta reflexión estaría feliz de poder dar unha lumiña pequena no sol da vosa inxente e correcta obra.

Un aperta de
Xiao Roel

mroel@edu.xunta.es
xiaoroel@mundo-r.com